Funtoo Linux: A necrópsia de um Pinguim

Necrópsia é uma série de procedimentos e observações, organizada e hierarquizada, realizada ao cadáver com o objetivo de determinar o que provocou a sua morte.
Esse é um artigo de opinião. No caso: a minha opinião. Não é um artigo de debate, então, você pode concordar ou discordar "livremente" das minhas opiniões.

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Por: Kyetoy em 02/08/2024


Motivos da morte



Ao longo dos últimos 25 anos vi dezenas de distribuições nascerem e morrerem. Algumas passaram como uma brisa suave e outras como um furação nível 5. Porque acho que posso dar minha opinião sobre o Funtoo? Estive envolvido no projeto como tradutor do manual de instalação por 5 anos. Esse era um serviço que fazia para a comunidade como um compromisso pessoal. Não sou usuário avançado e apenas usava Funtoo "Just for Fun".

Motivo 1 - Criação.

O Funtoo é daqueles sistemas que nascem de uma briga ou cisão. O tal do "Drobbins" estava lá no Gentoo, resolveu tomar o poder e, claro, alguém reagiu e não rolou como ele queria. Chateado, juntou seus trapos e saiu do projeto para montar um Linux para chamar de seu. Neste momento podemos dizer que Funtoo é um derivado do Gentoo. O projeto servia como um laboratório para fazer coisas que o projeto Gentoo não topava fazer. O Funtoo então é um projeto pessoal e precisamos entender isso desde o início. Esse foi o primeiro passo que levou o projeto a morte.

Quando Linus criou o kernel sozinho lá na Finlândia por volta dos anos de 1990 o mundo era outro pois projetos de um homem só eram comuns. Hoje, 30 anos depois, isso é impossível. O grau de complexidade e o custo financeiro são altos. Um projeto precisa de centenas de pessoas comprometidas de verdade e de muito dinheiro.

Motivo 2 - Ego.

Por mais que você seja um gênio, seu dia tem 24 horas igual ao de um idiota. Não dá para você fazer tudo sozinho e vai precisar delegar tarefas. A falta de um grupo que tome decisões leva o projeto para rumos sem volta. Democracia permite evolução, se você gosta de revolução então passa a tomar decisões sozinho e, muitas vezes, essas decisões são fatais para seu projeto. O tal Ditador Benevolente Vitalício (BDFL) no fim se torna apenas um ditador mesmo. Aprenda a trabalhar em equipe, aprenda a delegar mais, divida tarefas, responsabilidades e principalmente o crédito por algo brilhante.

Motivo 3 - Tecnologias que ninguém pediu.

Um projeto só faz sentido se oferecer algo que outro projeto não tem mas, principalmente, quando esse algo é uma coisa que as pessoas estão realmente pedindo e precisando. Se você oferece funções maravilhosas mas que podem ser feitas com mais facilidade de outra forma, então seu rumo está errado. O Funtoo foi pródigo em tecnologias que ninguém pediu. No fim usar o sistema se tornou um inferno tecnológico.

Motivo 4 - Não tente agradar a todos.

Um projeto precisa definir seu escopo, seu nicho, sua cara! Quando você oferece um projeto para 10 arquiteturas não vai conseguir ter um sistema bom em nenhuma delas! No fim, Funtoo perdeu totalmente seu foco. O site parecia uma colcha de retalhos de tecnologias complexas que, para um usuário comum, não faziam nenhum sentido. O projeto foi ficando cada vez mais nichado até que somente meia dúzia de pessoas precisavam dele. Lembro que um dia alguém pediu um "roadmap" para o projeto e o desenvolvedor respondeu com muita grosseria, pois o "roadmap" estava apenas na cabeça dele. Isso e o fato do marketing do Funtoo ser ruim. O logo era ruim, o nome era ruim, o modelo de desenvolvimento era ruim. E mesmo assim durou anos. Isso prova que as pessoas estão dispostas a usar coisas que não são boas.

Motivo 5 - Systemd.

O Systemd está por aí há mais de 10 anos e simplesmente se tornou um padrão para todas as distribuições relevantes. O desenvolvedor do Funtoo travou uma luta sem sentido contra o sistema Systemd por todo esse tempo. No fim ficou provado que ele estava errado. O Systemd é relevante para a maioria dos usuários. Quando as maiores distribuições optaram por usá-lo, o Funtoo se isolou em um nicho "No-Systemd". Usar Systemd fez com que o Linux evoluísse e então o Funtoo ficou para trás. Isso é uma lição sobre mudar de opinião ao longo do tempo. Você não pode acreditar que está certo quando "todo o mundo" já mudou de opinião sobre um software, um livro, um filme ou uma ideia. A maioria sempre tem razão, mesmo que você não veja isso hoje.

Motivo 6 - Rolling Release.

O modelo Rolling Release foi uma boa ideia há 10 anos. Esse modelo já foi abandonado até pelo Gentoo. Até o Gentoo percebeu, em algum momento, que compilar o kernel não era importante para um grande número de usuários e passou a oferecer um pacote compilado para o kernel. O que dizer de um sistema desktop no modelo Rolling release para o usuário final? É uma grande besteira! Quem é aficionado suficiente para compilar por dias um sistema desktop como Gnome ou KDE completo? O modelo Rolling Release foi perdendo o sentido ao longo dos anos para a maioria das pessoas e o Funtoo não percebeu isso! Tecnologias tem prazo de validade, não tenha medo de quebrar paradigmas.

Motivo 7 - Facilidades para Usuários.

Quando uma distribuição é criada ela deve definir quem são seus usuários. Claro que você gostaria que seu sistema fosse utilizado apenas por pessoas com o quociente de inteligência (QI) acima de 150, mas infelizmente elas são poucas e podem não precisar de você.

Faça um sistema que tenha usuários de todos os níveis. Deixa as portas abertas para as facilidades que os mais simples possam usar e janelas para os mais avançados. Se você optar apenas por usuários avançados, seu sistema estará sem rumo. Um grande exemplo disso é o sistema de instalação de qualquer distribuição. Quando você precisa estudar por uma semana apenas para instalar um sistema isso pode desanimar 99% dos seus possíveis usuários. Ouça os usuários, mas deixe claro que eles não mandam nada em seu sistema.

No Funtoo era preciso fazer um curso para instalar e configurar o básico do sistema. Hoje as pessoas não tem mais tempo e paciência para gastar com isso. Para mim a distribuição que foi estado da arte de facilidades foi o Kurumim Linux.

Motivo 8 - Excesso de liberdade.

O pessoal do Linux ficou tão louco com esse ponto que caiu em uma armadilha chamada de "o paradoxo da escolha". O paradoxo da escolha é um conceito que afirma que, ao contrário do que se pensa, ter muitas opções para escolher nem sempre é uma vantagem. Na verdade pode ser uma fonte de estresse, ansiedade e infelicidade. Isso porque, quando temos muitas alternativas, ficamos mais indecisos, inseguros e insaciáveis. Um desenvolvedor de sistemas deve fazer escolhas que levem seu sistema a um mínimo de padronização. O Funtoo era tão livre de escolhas que era impossível encontrar dois usuários usando o mesmo sistema e isso leva sistemas operacionais à morte. O paradoxo da escolha não deixa o Linux evoluir, pois os usuários mais fanáticos não entendem os problemas desse paradoxo.

Motivo 9 - Documentação

Se você vai criar um sistema para as pessoas então você precisa liberar toda a documentação possível de forma atualizada e de boa qualidade. O Funtoo não tinha documentação básica de qualidade, o suporte da comunidade era relativamente baixo pois, teoricamente, era para usuários avançados e a paciência era baixa para ensinar aos iniciantes. Lembra daquela piada antiga do suporte do Windows?

Suporte Windows: Favor fechar a janela.
Usuário: Só um minuto (som de passos, som de janela fechando). Pronto!


Motivo 10 - Síndrome do Pinguim Encalhado

Um Pinguim pode nadar até uma praia mesmo apresentando sintomas como desidratação, subnutrição e baixa temperatura corporal mas, quando chegar lá, ele vai morrer encalhado com certeza. Por todos os 9 motivos anteriores uma distribuição Linux morre e o Funtoo tinha todos esses sintomas e mais alguns. Por isso morreu encalhado!

Aproveite esse fato para repensar seus valores e os valores que está aplicando em seus sistemas. Um abraço!

R.I.P Funtoo!



   

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   1. Motivos da morte
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Comentários
[1] Comentário enviado por zekicarvalho em 02/08/2024 - 19:47h

Gostei desse tema, da pra fazer com várias distros que faleceram.

[2] Comentário enviado por albfneto em 03/08/2024 - 16:55h

Antigo excelente. Favoritado. Comentarios que eu queria fazer. Se uma distro não tem programadores e usuários ela more mesmo... quanto a rolling release. Eu gosto.
Mas principalmente rolling... a distro precisa quem a atualize.... se uma distro rolling não tem servidores com pacotes novas. Ela morre mesmo.
Eu usei funtoo um pouco. Gostava. Minha distro Favorita, o sabayon. .Morreu por causa semelhantes ao funtoo.
Rolling precisa servidores. Servidores custam caro
Albfneto,
Ribeirão Preto, S.P., Brasil.
Usuário Linux, Linux Counter: #479903.
Distros Favoritas: [i] Sabayon, Gentoo, OpenSUSE, Mageia e OpenMandriva[/i].

[3] Comentário enviado por xerxeslins em 06/08/2024 - 09:38h


Gostei do artigo, pois o tema é interessante para mim.

Apesar de discordar de algumas coisas do autor.



--
Chega uma hora na vida que você só quer bater o prego e não perder tempo estudando a ciência da construção de um martelo.

[4] Comentário enviado por Minions em 08/08/2024 - 11:46h

Muitas alternativas é importante para R.I.P de distro.

Ego é um problema.

Systemd é LIXO deixa partes ocultas do sistema para os usuários. Segurança no Linux deveria ser o foco para os usuários finais...

Modelo Rolling Release é legal


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Camarão que dorme, acaba na empada!

[5] Comentário enviado por draggom em 19/08/2024 - 09:27h




draggomlesa: Eu gostava muito do antergos, fiquei muito chateado quando ele foi descontinuado. Parabéns por seu artigo, o arch linux era um pesadelo na hora de instalar, de 10 tentativas eu só consegui concluir a instalação 2 vezes.

[6] Comentário enviado por maurixnovatrento em 07/09/2024 - 18:04h


Concordo com a maioria dos tópicos, mas não tudo. Em relação ao systemd, acho que nunca me importei tanto com isso. Mas computadores com baixo desempenho não costumam se dar bem com ele.

Agora, sobre o lance da escolha, pode sim ser benéfico. Isso pode dar margem para o surgimento de novas tecnologias uma vez que os desenvolvedores podem optar por trazer algo de diferencial.

Para a grande maioria das coisas há o pós e o contra.
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