lcavalheiro
(usa Slackware)
Enviado em 01/06/2015 - 15:42h
Lá nos tempos mais primórdios foi escrito uma coisa muito importante mas que os garotos de hoje nunca leram: The Hacker Manifesto (leia aqui
http://phrack.org/issues/7/3.html), na minha opinião um documento muito mais importante que o próprio GNU Manifesto (que também não foi lido pelos garotos mais novos, disponível em
http://www.gnu.org/gnu/manifesto.html) na história do software livre. Para resumir (porque eu sei que os garotos não o lerão), o Hacker Manifesto foi escrito por um dos membros da lendária Legion of Doom, The Mentor (conhecido pelos garotos como Lloyd Blankenship, o autor do GURPS Cyberpunk) assim que ele saiu da cadeia. Ali ele afirma que o mundo é nosso - dos hackers.
O que ele quis dizer com isso? Ser um hacker não é ficar invadindo sistemas bancários ou perfis de Facebook. Ser um hacker não é usar l33t 2p34k e se achar o cara só porque consegue fazer isso sem pensar. Ser um hacker não é sequer saber enfileirar caracteres e mais caracteres usando uma determinada lógica a ser compreendida e convertida por um compilador em um programa. Ser um hacker não é instalar o Kali no seu computador e ficar invadindo a rede wireless alheia.
Ser um hacker é ser uma pessoa curiosa. É ser uma pessoa disposta a aprender o máximo que puder pois, como já disse um filósofo famoso, conhecimento é poder. Ser um hacker é reconhecer as idiossincrasias de nossa sociedade, seus paradoxos e mentiras, e perfurá-las bravamente com a ferramenta mais poderosa de todos os tempos: o cérebro. Ser um hacker é não aceitar passivamente o mar de estrume em que vivemos, pois é patente que um mundo melhor é possível. No passado esse tipo de pessoa foi chamado de filósofo e de cientista pelos de mente aberta, mas de bruxo e herege por aqueles que queriam manter o poder - e queimados para que as massas permanecessem ignorantes das outras possibilidades além daquelas ditadas pelo status quo. Todos os ídolos do passado (deuses, religiões, heróis, nacionalismos) foram criados para a dominação do homem pelo homem, e não para a sua libertação.
Assim, rms foi uma pessoa importante, mas só mais um em uma longa cadeia de pessoas e eventos. Hoje nós vemos a supressão ativa dos direitos civis. Hoje nós vemos a liberdade, ideal tão efêmero em nome do qual tantos filósofos e cientistas foram queimados, ostracizados, exilados, sendo tomada dos indivíduos pelo Estado - a mais nova ferramenta de manutenção do status quo. Hoje o cidadão comum é tratado como suspeito, se ele adere ao status quo, ou como criminoso, se ele o questiona.
No mundo da tecnologia da informação, a mais nova fronteira dessa luta de milênios, a guerra parece tão perdida quanto a guerra em nome da liberdade dos indivíduos. Software proprietário. Código-fonte fechado. Patentes. Nos anos 70, quando o direito à curiosidade foi sistematicamente atacado pelas fabricantes de software e hardware, surgiu rms para nos lembrar que
A INFORMAÇÃO DEVE SER LIVRE. The Mentor nos diz do que o hacker é culpado:
My crime is that of curiosity. My crime is that of judging people by what they say and think, not what they look like. My crime is that of outsmarting you, something that you will never forgive me for. Nós estamos em um ponto crucial da história humana: ou lutamos por nossas liberdades, ou caminhamos plácidos como ovelhas para a nova Idade das Trevas que se insinua no horizonte.
Com o GNU Manifesto ganhamos um espaço de sanidade. Um ponto, um lugar comum, no qual graças à tecnologia da informação pode e deve ser livre. Friso:
pode e deve. Mas essa liberdade está sob risco. Empresas envolvidas com o GNU/Linux, como a Red Hat e a Canonical, querem conduzir as liberdades alheias para melhor atendimento de seus interesses. A Red Hat tem Lennard Poettering como seu pitbull, enquanto o sr. Shuttleworth cada vez mais oculta informações sobre sua gambiarra, o Ubuntu. Os dois (e suas respectivas empresas) não passam de bolos de fezes que andam autonomamente e são os maiores adversários às liberdades conquistadas graças aos esforços de pessoas como The Mentor e rms. Eles são os pastores das ovelhas caminhando para a nova Idade das Trevas disfarçada como "políticas de combate ao terror". Milton Friedman, que esteja em paz onde quer que ele esteja, nos alertou dos perigos de qualquer política institucional de combate militarizado a alguma coisa. Ele bem poderia ter nos alertado contra o perigo de empresas se interessarem em algo tão efêmero como liberdade.
A curiosidade, pedra de torque da liberdade, é algo frágil e delicado demais. Basta soterrar o indivíduo com a saciedade de seus prazeres que a curiosidade, pelo menos na maior parte dos casos, se evapora. Venda a identidade
felicidade=consumo e assista as pessoas jogando pela janela tudo o que mais significa ser humano: ser curioso, ser livre, ser um indivíduo. Ser um hacker.
Quanto ao Ubuntu, ele só deveria ter um lugar no mundo do software livre: para além da porta dos fundos, com um sonoro pé na bunda e expulso sob os gritos de
TRAIDOR.
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Luís Fernando Carvalho Cavalheiro
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Só Slackware é GNU/Linux e Patrick Volkerding é o seu Profeta