paulo1205
(usa Ubuntu)
Enviado em 08/05/2019 - 01:56h
DeuRuimDotCom escreveu:
Tentei justificar, no contexto do livro citado, por que "a filosofia não serve pra nada", e dei dois motivos:
O primeiro, que chamaria de fraco, tratar-se-ia do quão impotente seria uma idéia genuinamente filosófica no curso da história. Ora, uma idéia genuinamente filosófica pressupõe necessariamente contrariar o senso comum. Não há fazer filosófico genuíno onde não há contestação (por favor, não pense que me refiro a uma contestação vazia, por si, anos 60, contracultura e tal), onde não haja teses que pelo menos tragam um novo e original enfoque em contraposição à visão comum das coisas. Onde não há filosofia, há replicação de idéias etc. Idéias genuinamente filosóficas surgem em contextos restritíssimos, são em geral combatidas e mal compreendidas, como as idéias inovadoras da ciência no geral, demoram a se espalhar (quando raramente acontece de espalharem...) e chegam à maioria das pessoas por osmose, sem o mínimo de reflexão, pois reflexão demanda tempo, que as pessoas não têm ou não querem dedicar a isso.
Não sei se concordo muito com isso. Será que a filosofia inovadora tem sempre de contestar? Não seria uma obra filosófica valiosa aquela que encontrasse novas razões epistemológicas ou ontológicas, além de todas as anteriormente conhecidas, para validar certa ideia
X?
“Necessariamente contrariar o senso comum” me parece muito forte, ainda mais como pressuposto. É como escolher ou orientar a conclusão antes da investigação. Questionar o senso comum me parece válido. Pô-lo sempre à prova soa razoável. Falseá-lo, no sentido popperiano do termo, é desejável e louvável.
Contrariá-lo, porém, principalmente
a priori, é insensato por definição (pelo menos até que o senso comum corrente seja substituído por um novo senso comum).
Então não estou a dizer que idéias não importam, quero dizer que, no geral, o que se vê é, sim, comportamento de manada (ação sem reflexão, sem contestação) como o fator humano preponderante a influenciar os rumos da história. (Se o fator humano prepondera sobre outros, naturais, geográficos etc., já é outra conversa...) Dito doutro modo e em resumo, política se faz, sim, com idéias, mas o tratamento e o destino que se dá às idéias no contexto político não é o mesmo que num contexto genuinamente filosófico.
“Genuinamente filosófico” não é algo que eu possa discutir, porque filosofia não é uma área em que eu tenha estudos bastantes para me considerar minimamente à vontade.
Mas isso não significa que eu não possa apontar com clareza alguns erros flagrantemente grosseiros, tal como uma premissa que contradiz a si própria, e a atribuição do rótulo de “filosofia” ao estilo de vida que escolhe esse absurdo lógico como fundamento. Para tanto, para além do senso comum, basta um pouquinho de experiência de vida e um minimo de leitura sã.
Quando eu sugeri “Ortodoxia” ao público do canal, a intenção não era revelar uma obra genuinamente filosófica, mas oferecer uma referência acessível a pessoas tão pouco treinadas quanto eu mesmo, e que, em primeiro lugar, mostra a não-originalidade de certas ideias; que, em segundo, critica de modo bastante claro e didático muitas dessas ideias, mostrando a razão pelas quais tais ideias são ruins e não devem ser tomadas por seu valor de face, a despeito de qualquer modismo que possa haver em torno delas; em terceiro, porque os meios quase triviais usados na crítica dessas ideias podem ser facilmente aplicados a muitas outras, ajudando o eventual leitor a não ser levado de um lado a outro por “todo vento de doutrina”.
Quando você diz que denunciar filosofias ruins poderia amenizar conseqüências ruins, pressupõe, ao menos subjacentemente, a existência de um juízo universal e absoluto ao qual se poderia recorrer a fim de determinar a superioridade de idéias sobre outras. Como diria Pe. Quevedo, isso non ecziste! O que dá seria talvez aprender com o passado... sempre com o passado... o que não difere, se pensar bem, do contexto das ciências empíricas, onde o juízo universal de certificação das teorias se dá na fase de experimentação, o que implica que toda teoria científica é validada por um fato passado. Mas divago.
Um possível quarto motivo para Ortodoxia é que eu, assim como Chesterton, acredito, sim, num juízo universal e absoluto — ou, antes, num Juiz absoluto e em Leis universais pelas quais Ele julga.
Quanto a toda teoria científica ser validada por fatos passados, não sei se é o caso. Mas não vou aqui começar a discorrer sobre falseabilidade porque não conheço Popper tão profundamente para afirmar com certeza de que ele discordaria dessa colocação. Até gostaria de fazê-lo, mas está além das minhas sandálias, por enquanto.
O segundo motivo, que chamaria de forte, diz dos perigos que podem advir da idéia de que idéias podem "mudar o mundo", "tornar o mundo melhor", "viver o paraíso terreno" etc. Claro que engenharias sociais demandam poder concentrado e, por conseguinte, tirania; e nada há de mais brutal no mundo do que um estado tirânico. Esse é o perigo óbvio. Mas não é só. Falo também do imponderável. A modernidade tirou o imponderável da equação. Leia qualquer tragédia grega e verá o homem sendo espezinhado pelos deuses como uma marionete. O mito da modernidade é a ilusão de controle. Pensar que se podem fabricar idéias que levariam à felicidade geral é brincar de aprendiz de feiticeiro e inevitavelmente se dar mal ou fazer os outros se darem mal, que é o que sói acontecer.
Nisto concordamos plenamente.
E veja bem: Não é que eu seja contra ensinar aos filhos o bom, o belo e o justo (quando os tiver, ensinar-lhos-ei, lógico, se até lá descobrir o que são...rsrs). Todavia, quando se supõe ensinar o bom, o belo e o justo, supõe-se automaticamente que as conseqüências disso serão boas e que serão ruins apenas no caso de o educando não seguir tais princípios. Ou que, diante de boas conseqüências, conclui-se também automaticamente que isso teria se devido ao ensino e aprendizado do bom, do belo e do justo. Estou a dizer que isso é uma ilusão derivada de um pensamento tautológico, mais propriamente uma petição de princípio ou a assunção da falácia post hoc ergo propter hoc. Não temos garantia nenhuma de que o bom, o belo e o justo no mundo das idéias levem ao bom, ao belo e ao justo no mundo da práxis.
De novo, concordo plenamente. E não sei nem se se pode dizer que isso é imponderável, no sentido de “completamente inesperado”.
Quero dizer: eu tenho plena consciência de que o fato de que o zelo de procurar ensinar minha filha a agir de modo justo, cordial, generoso e bondoso não é uma garantia de que, no futuro, ela não possa se tornar (ou que não esteja latente em sua índole) uma mulher egoísta, mesquinha e má. Mas existe aquela tendência no comportamento humano de, em maior ou menor grau, dar daquilo de que recebeu, falar daquilo de que ouvir, escrever do que também leu. É uma tendência meio automática, portanto meio irracional ou afilosófica, mas não menos humana.
E aqui também eu divago.
Creio porém que a compreensão da natureza daquilo que está sendo recebido pode funcionar como um filtro ou um amplificador daquilo que será reproduzido ou mesmo transformado. Minha esperança não é a de que pessoas façam o bem
apenas por imitação de outros benfeitores, mas porque entendem que e por que é bom fazer o bem.
Desculpe, isso aqui ficou grande demais, mas fui escrevendo, escrevendo e quando vi já estava desse tamanho rsrs
Sem problema. Ficar falando só de linguagem C a vida inteira não teria graça.
De fato, tinha entendido mal o que escreveu. Você não assumiu que são desconhecidas, reconheço agora.
Mas isso não responde às minhas indagações principais: Como reconhecer uma verdade absoluta quando uma nos aparece? E como se daria a certificação dessa certificação? E a certificação da certificação da certificação...?
A essas, poderia acrescer as seguintes: quem garante que verdades absolutas sejam boas por si e que o melhor seja não ignorá-las? Nesse passo, acho que está a confundir ética (mundo do dever-ser) com ciência (mundo do ser). Digo, verdades deveriam ser neutras, isentas de carga moral, não concorda?
Mais fácil é descobrir as que são flagrantemente falsas, como quase tudo o que é ligado ao relativismo, com suas premissas que se autodestroem.
Fora disso, não me sinto habilitado nem mesmo a divagar muito, pois me falta bagagem.
Para algumas afirmações lógicas e matemáticas, existem ferramentas da Lógica e da Matemática. Mas mesmo nesses domínios é bem possível que nem tudo possa ser provado, mesmo quando tem resultados úteis. Em outras áreas, pode ser mais difícil ainda.
Mas o contexto original da discussão era o de estilo de vida e de visão de mundo. A esse respeito, há casos como aquele acima, que são prontamente refutáveis por conta de suas más premissas, e para os demais há abordagens para pelo menos classificar de modo relativo sua plausibilidade e razoabilidade. Por exemplo, o apologista cristão Ravi Zacharias costuma divulgar o que ele chama de
1-2-3-4-5 Worldview Grid, assim decomposto:
• uma meta: a verdade;
• duas abordagens para a verdade: correspondência (à realidade) e coerência (interna);
• três testes da verdade: consistência lógica, adequação empírica e relevância experiencial;
• quatro perguntas a responder: origem, sentido, moralidade e destino;
• cinco disciplinas a estudar: Teologia (Deus), Metafísica (realidade), Epistemologia (conhecimento), Ética (moralidade) e Antropologia (homem).
Para os melhores resultados, não é algo que se faz depois de ter lido apenas um livrinho comprado no supermercado ou na banca de jornais. De minha própria lavra, sendo eu tão pouco versado em Filosofia, não tenho resultados bons para mostrar. Mas mesmo gente simples como eu pode usar os mesmos cinco critérios para descartar alguns dos piores espécimes presentes no mercado de ideias, e permite também pelo menos algumas inferências de quais ideias têm melhor potencial de serem dignas de abraçar.
... “Principium sapientiae timor Domini, et scientia sanctorum prudentia.” (Proverbia 9:10)