Uma licença assim é possível? (questões provocantes sobre software livre e direito)

Escrevo esse artigo fortemente influenciado após ter lido três livros em licença Creative Commons: "Direito, Tecnologia e Cultura" (Ronaldo Lemos), "Direitos Autorais" (Sérgio Branco e Pedro Paranaguá) e "Patentes e Criações Industriais" (Pedro Paranaguá e Renata Reis). Para exercitar o raciocínio nessas questões, rascunhei uma licença que explora as brechas dessas leis.

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Por: celio ishikawa em 08/12/2009


O funcionamento da licença que explora brechas



Ela funcionaria assim:
  • Haveria um registro da patente no INPI, ou seja, da novidade inventiva, inovação.
  • O registro de software seria feito à parte, e na verdade seria opcional, sendo tarefa de terceiros se você apenas desenvolveu um pedaço do software (justamente a que tem inovação) e não o software todo.
  • A licença de patente deve ser tratada de modo diverso do software. Na verdade, a licença trataremos de modo "proprietário", enquanto que o software vamos preconizar que deve ser livre.
  • Isso é possível se pensarmos na inovação como um sistema de arquivo, como, digamos o GIF, que tinha o método de compressão LZW (ainda que seja um exemplo que lembre traumas do passado...) ou qualquer outro formato de arquivo ou tecnologia (formatos de vídeo, música ou DVD). Ora, o software livre não deixa de ser livre por manipular esses dados, ainda que por vezes a necessidade de lidar com codecs, APIs e especificações e drivers proprietários façam com que elas sejam excluídas de algumas distribuições Linux.
  • Tendo a licença em mãos, é possível cobrar pelo uso da inovação por parte das grandes empresas, o que parece ter sido o desejo dos detentores do GIF. Contudo, você não é uma empresa grande e sacana, e por isso vai deixar que os desenvolvedores de software livre usarem tal inovação. Na verdade, justamente por você não ser grande, talvez por esse meio seja possível fazer com que um padrão se torne tão conhecido que as empresas grandes também tenham de seguir no futuro.

    A ideia da difusão ajudar a definir um padrão lembra a disputa entre USB e Firewire. No caso, a USB ganhou vantagem porque havia royalties a serem pagos pelos fabricantes à Apple (inicialmente US$ 1 por porta). Contudo, apesar de não cobrar royalties de fabricantes, o USB não é propriamente um membro do Open ou Free Hardware, talvez porque nos mundo dos negócios interessa ao consórcio do USB manter a patente com eles por algum motivo (talvez negociação com os membros que formam o projeto).

  • Da mesma forma, o licenciamento da patente faz com que você negocie com as empresas de softwares fechados, mas tomando o cuidado de negociar apenas a licença de uso, mas não a exclusividade de uso. A barganha, caso ela diga que patentes sem exclusividade não interessam, será dizer que os softwares livres já estão implementando e que a recusa fará a empresa ficar atrasada.
  • Uma das primeiras liberdades fundamentais do software livre, segundo a Free Software Foundation é a liberdade de uso. Tal liberdade não estaria sendo infringida quando se cobra das empresas a licença de uso? Talvez se considerarmos o método de funcionamento do software e o software como uma coisa só, de fato estaríamos infringindo essa liberdade, mas no nosso enfoque, o método é uma coisa e o software é outra coisa, tal como o método de compressão LZW do GIF é uma coisa e os softwares que usam GIF são outra coisa, tanto que até as datas para caírem em domínio público são diferentes. Você toma uma atitude proprietária em relação ao método, mas livre em relação ao software. Tal como os programas livres que manipulam arquivos proprietários, e como estritamente falando, parte do software não é software, não há desrespeito à licença GPL, pois GPL é apenas para softwares e seus códigos-fonte.
  • Até porque, a liberdade continua sendo garantida: caso as empresas queiram parar de serem descriminadas pela sua licença, basta elas irem à terra da liberdade, ou seja, aceitarem o GPL e a partir desse ponto os produtos delas terão de ser distribuídos pela mesma licença (como alguém comentou, o GPL tem característica "viral"). O mais provável é que elas preferirão pagar pela licença.

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Páginas do artigo
   1. O que acham dessa licença?
   2. Diferenças entre patentes e direitos autorais
   3. Diferença entre domínio público e licenças públicas
   4. O funcionamento da licença que explora brechas
   5. Conclusão
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Comentários
[1] Comentário enviado por cleysinhonv em 08/12/2009 - 08:45h

Ótimo artigo,

Gosto muito desses assuntos. No ano que vem devo ter aulas de direito em meu curso de (Sistemas de Informação) já tenho referencias para fazer determinados seminários. Nota 10, Favoritos.

Um abraço.

[2] Comentário enviado por adrianoturbo em 08/12/2009 - 08:58h

A guerra das patentes parece não ter limites vai desde uma licença pública livre até uma proprietária .
A GPL3 por exemplo no seu inicio foi muito polêmica com aquela história das restrições sobre DRM(Digital Rights Management) impostas pela nova versão GPL3,o dificíl é agradar a todos :de um lado Linus e do outro Richard Stallman .
Quanto as patentes proprietárias um exemplo bem simples é o que está ocorrendo entre a Nokia e Apple :na guerra dos Smartphones .Recentemente a Nokia entrou na justiça dos States contra Apple ,alegando que a concorrente violou no total dez patentes envolvendo transmissão de dados sem fio (wireless), codificação para reconhecimento de voz, segurança e codificação em geral.Isso vai dar muito pano para manga pode ter certeza .
Como essas patentes estão todas registradas e outros fabricantes já utilizam e é claro dando o respaldo(entenda grana) para a Nokia essa ação já é dada como ganha contra os produtores de iphone que jamais pagaram nada a Nokia por isso .

[3] Comentário enviado por Teixeira em 08/12/2009 - 13:09h

Essa é uma área muito complexa, razão pela qual está cheia de discrepâncias inexplicãveis.

As grandes empresas se utlizam invariavelmente do método "Sicolar" (se colar, colou) no claro intuito de obter cada vez mais vantagens e se meter em aventuras juridicas sem tamanho.
O custo dessas aventuras é baixíssimo, portanto não custa nada tentar.

O que me chama à atenção é que certas discrepâncias podem vir a qualquer momento transformar-se em jurisprudência, mesmo contrariando o princípio da Justiça.
Veja-se o caso da patente da Coca-Cola que - pela lei - já deveria estar em domínio público há alguns anos;
Vejam-se os inúmeros casos da Microsoft a registrar/patentear um nome comum do idioma inglês ("windows" = "janelas"), o princípio de funcionamento do duplo-clique, as teclas page-up e page-down, o botão do menu iniciar (incluindo o próprio menu iniciar) e pretender continuadamente apoderar-se de outras idéias e marcas, com a agravante de pretender ser ela a vítima toda-inocente.

Não sou advogado, mas trabalho com muitos contratos e tenho percebido uma constante na redação de um bom número desses e contratos e das proprias leis: Quanto maior o texto, maiores probabilidades terá um instrumento de ter suas cláusulas violadas ou mal-entendidadas de alguma forma.
O excesso de texto quase sempre subtrai a clareza do entendimento, e há não poucos contratos com cláusulas interconflitantes.

Dou como exemplo um antigo decreto aqui do Rio de Janeiro que proíbe o uso de trajes de banho nos veículos de transportes coletivos, onde é autorizado ao motorista, trocador ou fiscal a "recorrer à autoridade policial para retirar o recalcitrante do veículo, ou não permitir seu ingresso nele".
Tudo bem. Mas se o cidadão é REcalcitrante, é porque já agiu dessa forma pelo menos uma vez anteriormente (quando então calcitrou);
E se conseguiu fazer isso, então houve conivência do motorista, cobrador, fiscal, inclusive do legislador que não soube redigir. Como então fazer cumprir tal decreto?

O excesso de cláusulas forma verdadeiras armadilhas (ou como que buracos em um queijo suisso) por onde se esvai o sentido original dado pelo legislador/redator.

Parabéns pelo artigo!

[4] Comentário enviado por vinipsmaker em 08/12/2009 - 13:25h

+1
Obrigado e parabéns.
Gostei do artigo.

[5] Comentário enviado por cirinho em 09/12/2009 - 06:34h

Achei interessante, ainda mais pra min que abandonei a faculdade de ciencia da computação no 6 semestre para cursar direito kkk

[6] Comentário enviado por nicolo em 09/12/2009 - 09:23h

Esse assunto é uma daquelas magias secretas que assolam a humanidade.
O artigo toca num assunto que interessa a todos e em especial aos que vendem os produtos.
O artigo é pioneiro e excelentíssimo. Nota 10.

[7] Comentário enviado por celioishikawa em 11/12/2009 - 11:29h

Olá pessoal, agradeço a atenção. Interessante o caso do Cirinho que abandonou computação e foi para Direito kkk, pelo menos isso quer dizer que não escrevi incoerência.

Achei agora uma coisa curiosíssima: o Qt do KDE trabalha mais ou menos como na licença que propûs. Vejam o que explica a Wikipedia:

"A biblioteca Qt é gratuita para aplicações de código aberto, e as bibliotecas do KDE são licenciadas como LGPL ou BSD-compatível. O licenciamento da Qt prevê que quem desenvolver aplicações de código fechado com Qt seja obrigado a adquirir uma licença. Detalhes adicionais podem ser conferidos em Licença Qt."

Assim quem for fechar um aplicativo que usa Qt para ganhar dinheiro, precisa mandar dinheiro para Qt primeiro.

Isso à primeira vista entra em contradição com uma das definição de código aberto (que vi em http://sisnema.com.br/Materias/idmat001648.htm):

"5. Sem Discriminação Contra Pessoas ou Grupos - A licença não deve discriminar qualquer pessoa ou grupo de pessoas."

No caso, há discriminação (cobrando taxa) de quem for usar Qt para software fechado. Pelo jeito licença de código aberto e cobrar pela licença são âmbito separados (embora em ambos se use o verbo "licenciar"...). Digamos que uma licença é uma declaração ao público dizendo que podem usar o código. Outra é uma permissão, uma mercadoria, a ser oferecida para quem quer software fechado.

[8] Comentário enviado por ulisses_c em 01/01/2010 - 11:24h

Nossa parabens pelo artigo apesar de estar completamente em duvida em qual lincença utilizar para meus softwares(ainda não produzi nenhum rsrs) bom o interressante do caso do QT e Kde é que ele gerou tanta polemica na comunidade que tiveram que desenvolver o Gnome para prevenir qualquer problema judicial . so que agora quem provavelmente vai "causar" é o Gnome 3 se o mesmo for totalmente desenvolvido em Mono que é a implementação para linux do framework .NET adivinhem de quem ???. isso mesmo da microsoft então neste caso o jogo pode virar e ai invés de brigas judiciais ao redor do KDE/QT poderemos ver diversas brigas ao redor do Gnome/Mono principalmente se as patentes do .NET estiverem ligadas a novidade inventiva que ele proporciona... bom para um melhor esclarecimento sobre o Mono e Gnome 3 o celioishikawa poderia nos presentear com outro artigo de excelente qualidade não acham rsrs.

no mais Obrigado pelo excelente artigo foi muito exclarecedor.

[9] Comentário enviado por celioishikawa em 02/01/2010 - 15:56h

Olá Ulisses e todos, estou realmente surpreso com a boa recepção do artigo. Mas tenho uma errata: o registro dos códigos fonte não é feito na Biblioteca Nacional, como mencionei, mas no INPI, mesmo sendo considerado direito autoral (e não de patente) O site do INPI explica direitinho: http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/programa/aspectos_legais . O interessante é que o INPI diz que o software registrado passa a ser protegido internacionalmente, o que é muito bom. Se fosse patente, o registro do INPI só vale nacionalmente, e a pessoa teria de se virar para registrar em outros países!


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