lcavalheiro
(usa Slackware)
Enviado em 06/02/2016 - 17:54h
Devemos considerar que o tópico pergunta o porquê do por quê. Não especifica se fala do por que científico, do por que religioso, do por que filosófico, do por que pastafariano...
Segundo ponto: devido a limitações de sua própria metodologia, a Ciência só é capaz de explicar um conjunto finito, limitado e relativamente pequeno de fenômenos. Dentro desse conjunto finito ela tem potencial para explicações das mais poderosas, mas se o fenômeno não puder ser observado ou descrito de acordo com o método científico experimental, a Ciência não pode (ou deveria) falar nada sobre ele. Exemplo: demonstre experimental e empiricamente a não existência de uma alma recorrendo puramente ao método científico. Boa sorte.
Terceiro ponto: a Filosofia possui poder de explicação sobre um conjunto de fenômenos maior do que aquele explicado pela Ciência. Para ser mais exato, o conjunto de fenômenos explicáveis pela Ciência é um subconjunto do conjunto de fenômenos explicáveis pela Filosofia. Mais uma vez, é uma questão de método: a Filosofia, que é quem cria, determina e valida o método científico, tem seus próprios métodos para a explicação de fenômenos que não podem ser demonstrados experimental ou empiricamente. Nomeadamente: a Lógica. Ela serve pra muitíssimo mais coisa do que estruturar linguagens de programação, e ela é o pilar fundamental da Filosofia.
Quarto ponto: mesmo a Lógica possui limites. Se a demonstração não pode ser experimental, empírica, dedutiva ou indutiva, mesmo a Filosofia tem bem pouco a dizer sobre aquele fenômeno. Para além da Filosofia existe ainda uma ferramenta, a Crença. Para sermos mais exatos, o conjunto de fenômenos explicáveis pela Filosofia é um subconjunto do conjunto de fenômenos explicáveis pela Crença. Sem Crença não há Filosofia nem Ciência, pois para essas duas serem válidas é preciso, pelo menos, crer que as palavras (e as proposições e os fenômenos que elas figuram) possuem significado definido e limitado. Sem a Crença em uma realidade objetiva exterior ao eu-pensante não faria o menor sentido fazer Filosofia ou Ciência, sob pena de se criar um mero panegírico solipsista.
Quinto ponto: Crença e Fé, porém, são coisas distintas. Crença é algo cujo nome varia em diferentes campos do conhecimento. A Matemática a chama de axioma, por exemplo, enquanto um dos nomes correntes em Filosofia é causa primeira. Crença se refere a algum fenômeno que pode ser de alguma maneira experimentado, seja empiricamente ou apenas racionalmente usando raciocínios dedutivos ou indutivos. Podemos dizer até que a Crença é uma boa palavra para descrever a observação direta e imediata de um fenômeno, embora essa definição não seja completa. Fé, por sua vez, tem uma definição bem precisa dada por um dos maiores filósofos platônicos do século I DC: Paulo de Tarso*. Cito** Hb 11, 1: "A fé é o fundamento da esperança,
é uma certeza a respeito do que não se vê" (tradução Ave Maria, negrito por minha conta). A Fé, portanto, vai além da própria Crença: Fé é ter Crença no que não pode ser experimentado.
Sexto ponto: por consequência, a Fé possui poder de explicação maior do que o da Crença. Precisamente, o conjunto dos fenômenos explicáveis pela Crença é um subconjunto do conjunto dos fenômenos explicáveis pela Fé, e o conjunto dos fenômenos explicáveis pela Fé compreende não menos do que todos os fenômenos que existem, já existiram ou existirão.
Portanto, se uma pessoa cita a Bíblia para defender seu ponto de vista, desde que ela o faça com propriedade (por exemplo, se eu citasse Cânt*** 1, 2ss**** no presente assunto seria completamente impróprio), é totalmente válido e tem meu apoio.
* Quem tentar dizer que esse homem não foi um filósofo e não era platônico, certamente nunca leu a Bíblia.
** Só eu penso ser irônico um professor de Filosofia e seguidor de Thelema e do Satanismo de LaVey citando a Bíblia?
*** Cântico dos Cânticos: pornografia bíblica no Antigo Testamento.
**** O trecho em questão diz: "2. - Ah! Beija-me com os beijos de tua boca! Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho, 3. e suave é a fragrância de teus perfumes; o teu nome é como um perfume derramado: por isto amam-te as jovens. 4. Arrasta-me após ti; corramos! O rei introduziu-me nos seus aposentos. Exultaremos de alegria e de júbilo em ti. Tuas carícias nos inebriarão mais que o vinho. Quanta razão há de te amar!"
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Dino®
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Só Slackware é GNU/Linux e Patrick Volkerding é o seu Profeta